segunda-feira, 26 de maio de 2014

"Preconceito Cotidiano"


O racismo está tão presente em nossa sociedade que acabou por tornar-se algo comum aos nossos olhos, presenciamos e praticamos tantos atos de preconceito que nem nos damos mais conta de que ele está aí, batendo à porta.

De fato, às vezes, nem mesmo o próprio indivíduo se dá conta do que vive, imaginando se tratar de algo normal, afinal ele passa e vê outros passando pela mesma situação diariamente.


Isso nos leva a outro problema, ao ser exposto todos os dias a atos discriminatórios, acabamos absorvendo aquilo como não sendo nada demais; às vezes pode ser apenas uma brincadeira inocente, às vezes com uma dose de maldade, o fato é que nossa sociedade tem formado "racistas passivos", pessoas que são racistas mas nem mesmo se dão conta disso. Simplesmente o preconceito entra no sangue delas através do convívio, e vai se espalhando como uma doença; é algo que, literalmente, domina as pessoas.

Eu não me excluo desse grupo, reconheço que sou preconceituoso com uma quantidade razoável de coisas. De fato, a ideia deste trabalho surgiu ao analisar a mim mesmo, no modo como via as pessoas ao meu redor.

Ainda hoje existe gente que pensa (realmente pensa!) que o branco seja superior as demais etnias. Para eles acreditar na superioridade de uma raça não é preconceito, não é racismo, é, para eles, algo normal.

Não vêem o preconceito como uma forma de inferiorizar o outro. Ao praticar o racismo estamos declarando-nos "superiores" ao outro. Reduzimos a nada tudo aquilo que não gostamos ou nos causa repulsa.

Por fim, não há aqui uma conclusão, no sentido de solução, estamos longe de chegar ao fim do problema. Além do mais, o objetivo aqui é estimular o pensamento crítico, instigar a auto-crítica e a reflexão sobre os padrões que compõem a nossa sociedade; pensando hoje para mudar o amanha.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Realidade histórica (introdução)

            Quando se fala em preconceito étnico-racial, é inevitável retomar o passado escravocrata pertencente a inúmeros Estados nacionais, dentre os quais os escravos foram, por muito tempo, base da economia mineradora, agrária, manufatureira e até mesmo de finanças¹. Porém, a escravidão já foi parte de inúmeras culturas evidenciando estados de dominação, podendo a condição de escravo ser consequente de uma derrota em guerra ou até mesmo a consequência do surgimento de uma parcela menos privilegiada proveniente de desigualdades socioeconômicas e políticas, ou seja, eram abertas "... as portas para uma existência baseada na desigualdade e na opressão de alguns seres humanos por outros."², além de motivações determinadas de acordo com os valores culturais de cada grupo social e sua região³.

            Desse jeito, houve tentativas de escravizar índios e, em outros países, havia escravidão dentro do próprio povo, demonstrando que a etnia não era o principal fator para escravizar um ser, mas a dominação em si. Portanto, em busca de especiarias, ouro e escravos, europeus se aproximaram da costa africana e começaram a investir em sua exploração, principalmente os portugueses¹. Além disso, os portugueses estavam interessados em indivíduos para povoar terras recém-descobertas na América e não apenas praticar agricultura para subsistência, mas para comercialização. Porém, os índios nativos da América não estavam aptos ao trabalho, pois "... não estavam acostumados ao trabalho regular e intenso. Caíam incapacitados com as doenças trazidas pelos europeus e, sempre que possível, se embrenhavam pelo interior do território, que lhes era familiar"4, como disse o sociólogo Rogério Baptistini, professor da FESPSP. Ou seja, a vinda de escravos africanos para o Brasil foi motivada pela facilidade na compra negros já escravizados na África, pela possibilidade de submetê-los a trabalhos em atividades agrícolas para exportação e pela oportunidade de lucrar com sua venda e mão de obra para colonizadores.

            Assim, segundo o Almanaque Urupês, por mais de 300 anos, o Brasil recebeu, aproximadamente, 4 milhões de africanos escravizados5 para cumprir funções em engenhos de açúcar,  áreas de exploração de minérios e plantações de café. Porém, quando países capitalistas industrializados começaram a ser pressionados por idealistas liberais  a abolir a escravidão e, substituindo a mão de obra escrava pela assalariada, tomaram um foco neocolonialista de dominação6, o Brasil foi pressionado a abolir a escravidão - e, ainda assim, foi o último país a libertar os negros escravizados pelo fato de a Monarquia e os engenhos dependerem diretamente de tal mão de obra.

            Portanto, após os escravos serem alforriados - segundo o IBGE, a população negra e parda totalizava mais de 6 milhões de indivíduos na década de 18707, sendo alguns já libertos -, não é difícil de se perceber a consequência da libertação de inúmeros indivíduos sem especialização alguma, analfabetos, banhados num mar de estereótipos negativos, sem ter onde morar, sem saber aonde ir e distanciados da cultura africana: a criação de um grupo social extremamente segregado e sem oportunidades de ascensão social, indo morar ao redor do centro urbano carioca, gerando a chamada favelização.

            Conhecendo tais fatos, é possível depreender que os ex-escravos passaram a habitar terras ilegais e a aceitar serviços remunerados para sobreviver no mundo capitalista que lhes era apresentado de outro ponto de vista nos anos que sucederam 1888. Ora, qual prestígio ou direito poderia possuir um grupo de pele negra, sem posses, sem conhecimentos e com a cruz da escravidão sobre suas costas diante de uma sociedade que reverenciava toda a "gente bonita", ou seja, os detentores do poder?

            As pessoas que habitavam as recém criadas "favelas" nada mais eram do que uma poluição na paisagem do Rio de Janeiro e, até hoje, mantêm-se - agora implicitamente, é óbvio - com esse título pejorativo exatamente porque pobres e desprivilegiados são a escória, a margem da sociedade, para alguns políticos, poderosos e até mesmo para membros da classe média sutilmente manipulada pelo extremista senso comum propagado diariamente pela mídia.

            Assim, o racismo se faz presente na rotina humana sem que o admitam. Todavia, é improvável que, ao perguntar se certa pessoa é racista ou preconceituosa, obtenha-se uma resposta positiva. Não necessariamente porque tal pessoa está omitindo seu comportamento para criar um estereótipo politicamente correto, mas porque inúmeras pessoas não reconhecem o vírus do racismo que se hospeda em seu subconsciente. Compreende-se tal fato através do entendimento de que o cerne dos indivíduos está impregnado de informações e pensamentos sutis que sustentam a discriminação racial através de ideias implícitas em fatos corriqueiros.


            Partindo desse pertinente princípio de entendimento, os próximos textos integrarão a primeira série de estudos deste blogue, objetivando analisar o senso comum acerca do racismo e como ele se faz presente na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ.



¹LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: Uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
²WEDDERBURN, Carlos Moore. O racismo através da história. Da antiguidade à modernidade. Copyright, 2007.
³SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. A escravidão na África de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Ed. UFRJ, 2003.
4Heverton Nascimento, "O porquê da escravidão dos africanos no Brasil", Revista Nova Escola, outubro de 2011.
6Manolo Florentino, "Sensibilidade inglesa", Revista de História da Biblioteca Nacional, maio de 2008.